Dia Internacional da Redução do Risco de Desastres – o desafio da realidade ambiental e climática brasileira

Dia 13 de outubro celebra-se o Dia Internacional da Redução do Risco de Desastres, a data, que carrega consigo grande representatividade e importância, foi instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em 1989, com o objetivo de promover uma cultura global focada na prevenção de eventos, e ainda, gerar maior visibilidade ao tema fomentando debates sobre a responsabilidade dos cidadãos e instituições governamentais.

Você sabia que, segundo o Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), aproximadamente 3,3 a 3,6 bilhões de pessoas vivem em contextos altamente vulneráveis às mudanças do clima e, que regiões com consideráveis restrições ao desenvolvimento têm alta vulnerabilidade às ameaças de desastres climáticos? Tal estimativa revela um cenário desafiador a se enfrentar e evidencia a necessidade de se promover debates focados em ações preventivas para redução de riscos de desastres (RRD) visando a mitigação de impactos e despertando em nós um olhar mais atento às potenciais crises e colapsos que enfrentaremos em um presente próximo e no futuro.

Contudo, em um país cada vez mais antropizado e moldado por ações humanas de grande impacto, é necessário destacar que sob a ótica do pesquisador Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), não podemos mais classificar os desastres, no Brasil, como naturais. Ele explica que, devido à intervenção humana, já ultrapassamos os limites planetários que sustentam a vida, e que a variabilidade climática não é mais suficiente para explicar os desastres enfrentados. Nesse contexto, ações antropogênicas marcadas por intenso desmatamento, construção de represas e casas em locais de risco, uso irregular do solo, mau gerenciamento de recursos hídricos, descarte inadequado de resíduos e poluição do ar causam desequilíbrios ambientais que maximizam os efeitos dos fenômenos naturais como inundações acima da média e secas prolongadas.

Morador da margem do rio Madeira, Valcir da Costa posa durante entrevista em Porto Velho-RO. O rio, um dos principais afluentes do Amazonas, está mais baixo do que nunca devido à seca extrema que ameaça os meios de subsistência das comunidades ribeirinhas. — Foto: Isaac Fontana/EPA-EFE/REX/Shutterstock.

A desafiadora realidade brasileira

No Brasil, o dia 13 de outubro, criado com intuito de se reforçar as ações de combate aos desastres, acontece enquanto o país enfrenta queimadas devastadoras e uma seca histórica, o atual cenário nos mostra a necessidade de se incorporar a educação ambiental climática em políticas públicas, de modo que o conhecimento gera transformação, bem como uma sociedade mais resiliente e segura ao enfrentamento de desastres. Mesmo em um momento no qual a sociedade brasileira vive uma potencial crise social (populações vulneráveis), política e ambiental (em função de possíveis ameaças atreladas às mudanças climáticas), parece haver no país uma alienação à demanda por políticas eficazes de prevenção de riscos naturais (ou melhor dizendo: naturais de causas antrópicas). É notório que o país não possui uma cultura de gestão de risco bem desenvolvida, visto que os investimentos são massivamente voltados à gestão de crise, ou seja, na remediação dos desastres.

 

 Onça-pintada, Itapira, resgatada com queimaduras severas e vítima das queimadas de 2024 – Foto: André Bittar/Onçafari.

Segundo a Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade), as catástrofes são classificadas em duas categorias: Naturais (geológicas, hidrológicas, meteorológicas, climatológicas e biológicas) e Tecnológicas (desastres relacionados a incêndios urbanos, obras civis, substâncias perigosas e radioativas e transporte de carga não perigosa/passageiros), sendo importante conhecer essas classificações antes de se criar projetos de redução de riscos. A maioria dos desastres naturais que afetam o Brasil são hidrológicos, como inundações, tempestades, enchentes e granizo, contudo, o país também vem sendo gravemente afetado por secas prolongadas, calor excessivo (ondas de calor) e umidades baixas (semelhante à clima desértico) que tendem a ser potencializados pela ação humana.

Este ano, no país, tivemos eventos marcantes que revelaram que os efeitos de desastres são marcantes e deixam impactos severos, como no maior desastre climático do Rio Grande do Sul ocorrido em abril e maio de 2024, causado pela violenta inundação que arrasou 471 cidades, ceifou centenas de vida e expulsou 600 mil pessoas de casa, sendo que o evento e suas consequências foram desencadeados por ações humanas.

Avião em meio a alagamento em Porto Alegre-RS, no dia 8 de maio de 2024- Foto: Wesley Santos/Reuters.

Como já citado, o Brasil também passa por um momento delicado na região norte e centro-oeste, tomado por um cenário de seca prolongada, com o fogo tomando a paisagem há semanas, trazendo à tona a emergência climática e os abruptos prejuízos à biodiversidade nacional.

 Todavia, a ocorrência dos desastres está ligada não somente à susceptibilidade da região, devido às características geoambientais, mas também à vulnerabilidade do sistema social impactado, logo, ao se debater a prevenção de desastres é fundamental abranger o tópico vulnerabilidade social. A vulnerabilidade denuncia os riscos de desastres. Dado que grande parte da população brasileira vive em intensa pobreza, consequência do crescimento urbano desordenado,  da carência de infraestrutura e da fraca governança, os efeitos dos desastres se tornam ainda mais desafiadores, exigindo que os esforços para ações preventivas sejam redobrados. Em relação às recorrentes inundações e secas que assolam o país, pouco se tem feito – apesar de iniciativas pontuais em algumas regiões do país – no sentido de criar entre os brasileiros uma cultura de prevenção de risco pautada no conhecimento e na transformação.

Sobre a gestão de riscos no Brasil, o Prof. Debarati GuhaSapir, diretor do Centro de Pesquisa em Epidemiologia de Desastres (CRED), entidade que fornece à ONU dados sobre vítimas de desastres, relata que “não há vontade política no Brasil para preparar o país para lidar com os desastres naturais. O país tem dinheiro suficiente para lidar com o problema dos desastres naturais e há anos já poderia ter colocado em funcionamento um sistema de prevenção”. A entidade responsável pela gestão de risco em âmbito nacional é a Secretaria Nacional de Defesa Civil que atua no desenvolvimento de ações preventivas e de enfrentamento de desastres. Todavia, há ainda  municípios dotados de defesas civis mal estruturadas ou que existem apenas no papel e concentram esforços sobre o pós-desastre, o que dificulta o processo  da gestão integrada de risco efetiva. 

Ciclo de gestão de risco e gerenciamento de desastres. Fonte: CEPED/RS, 2016

Um levantamento realizado pelo Governo Federal e publicado em abril de 2024 mapeou 1.942 municípios suscetíveis a desastres, associados principalmente a deslizamentos de terras, alagamentos, enxurradas e inundações. O estudo, coordenado pela Secretaria Especial de Articulação e Monitoramento, registrou que quase 35% dos municípios brasileiros estão em perigo e mostrou um aumento significativo no número de municípios ameaçados.

Alagamento em São Paulo, cidade que lidera a relação dos dez municípios com maior urgência de prevenção de desastres segundo o mapeamento do governo federal- Foto: Edilson Dantas/ Agência O Globo.

O cenário na Caatinga 

      No bioma, os impactos antrópicos, especialmente relacionados à supressão da vegetação e à poluição dos cursos d’água pelas atividades produtivas, bem como o manejo inadequado do rebanho e a extração de madeira estão entre as causas do aumento da degradação da região (COSTA et al., 2009). Recentemente, um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) confirmou a mudança inédita da classificação de clima semiárido para árido em uma região localizada no centro-norte da Bahia, devido ao aquecimento global. É a primeira zona árida registrada no país, além disso, os estudos revelaram que o clima semiárido e áreas secas têm se expandido no Brasil. Todavia, apesar da sua importância e riqueza em biodiversidade, a Caatinga ainda não desponta como foco de preocupações das políticas públicas de gestão de riscos e sustentabilidade no país.

Diferenciação entre seca (clima) e desertificação (processo antrópico). Foto: Larissa Terra, 2024

Segundo o Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (CEPED UFSC),  os eventos ambientais extremos que assolam a Caatinga são relativos a estiagens e secas, seguidos por enxurradas, inundações e vendavais. Tais eventos causam danos socioeconômicos generalizados e além disso, expõem a vulnerabilidade da sociedade, a inefetividade das políticas de risco e a fragilidade da infraestrutura dos diversos setores frente aos sistemas ambientais.

A seca altamente marcante no bioma é considerada um desastre crônico, de caráter natural (mas maximizado por ações humanas), cujos impactos ambientais e econômicos afetam milhares de pessoas. Seu poder de destruição prejudica diversas atividades econômicas nos setores da agricultura, pecuária, indústria, serviços e comunidade em geral e mostram uma face cruel e silenciosa dos desastres naturais.

Em um cenário em que os solos estão expostos a processos erosivos, as terras se tornam cada vez mais estéreis para a produção agrícola, e a recuperação de áreas degradadas é pouco posta em prática, o processo de desertificação tende a se agravar. Além disso, a falta de água, a agricultura de baixa tecnologia, a pecuária extensiva e o extrativismo insustentável aumentam consideravelmente a pressão sobre as terras da Caatinga.

Infográfico produzido em 2019 que mostra áreas em processo de desertificação na Caatinga. Fonte: Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis).

Desse modo, para mudar essa realidade são necessárias políticas públicas eficazes e o comprometimento dos países com os acordos internacionais, além do envolvimento da sociedade como um todo. A Caatinga clama para que ao celebrarmos o dia 13 de outubro, celebremos também o início de uma nova era, e que ela seja mais atuante no tocante ao respeito a políticas de prevenção de desastres  no semiárido.  

Vegetação do bioma é adaptada ao clima seco, mas a desertificação remove a cobertura do solo dificultando a regeneração das plantas. — Foto: Celso Tavares/G1.

Ações de mitigação de impactos no Brasil e na Caatinga

Embora seja impossível eliminar completamente o risco de desastres, estratégias bem sucedidas requerem mecanismos eficazes de coordenação e devem, sobretudo, orientar-se de modo sintonizado com a realidade da área em perigo, considerando-se, além de fatores geoambientais,  as  vulnerabilidades socioambientais a que a população se encontra.

A magnitude e extensão dos desastres demandam uma política nacional abrangente e esforços que devem contar com contribuições  multissetoriais públicas e privadas.  No Brasil, o órgão atuante na prevenção de desastres é o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) — órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) que realiza o monitoramento e emite antecipadamente alertas de desastres para áreas de risco, em 1038 municípios. 

E você leitor, quer saber mais sobre as atividades do Cemaden no mapeamento de secas? Clique no botão abaixo e acesse o mapa interativo das secas no Brasil disponibilizado pela instituição.

Mapa interativo das secas no Brasil

 

Na Caatinga, esforços têm começado a surgir como a criação, por meio de parcerias privadas, de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), as quais correspondem a 35,6% das UCs no bioma. O governo realizou este ano o 2º Plano de Ação Brasileiro de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAB), com ações de curto, médio e longo prazos. Foram realizados 10 seminários estaduais e quatro regionais, que forneceram um panorama dos contextos regionais, conectando governos em diferentes níveis, sociedade e setor empresarial para debater propostas e metas de ação.

Além disso, no bioma, a ciência aliada a esforços populares ganham espaço na mitigação de desastres socioambientais e enquanto pesquisadores criam modelos de proteção e recuperação da vegetação nativa, pequenos agricultores buscam manter a caatinga em pé. Exemplos de atuação na Caatinga são os pesquisadores do Núcleo de Ecologia e Monitoramento Ambiental (Nema) que desde 2014 trabalham nas margens dos canais criados pela transposição do Rio São Francisco visando recuperar áreas desmatadas, recompondo a vegetação típica da caatinga. O Programa de Recuperação de Áreas Degradadas, o PRAD, é o maior esforço de recuperação da caatinga no país. Em entrevista ao G1, Gilberto Nascimento Guimarães, presidente de uma associação de pequenos produtores em Canudos (BA) relata: “A gente tá nessa luta para manter a caatinga em pé. Ela é nosso sustento, da comunidade do sertão, e para os animais, caprinos, ovinos”. 

Rio São Francisco, na divisa entre Petrolina (PE) e Juazeiro (BA). Foto: Sylvia Hiromi 

Outro exemplos engajados na mitigação de impactos são os projetos “Recaatingamento”, promovido pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa-https://irpaa.org/), que ensina técnicas para evitar a degradação, entre elas a conservação de parte do território com vegetação nativa e a “Rede para Restauração da Caatinga (RECAA-https://recaa.org/)”, um coletivo de pessoas, instituições governamentais, não governamentais e privadas que trabalha pela conservação e restauração ecológica, política e social do bioma, valorizando a cultura dos povos da Caatinga, respeitando as características naturais do bioma. 

Dessa forma, somente uma sociedade atuante e um governo que destina esforços coordenados e eficazes para a prevenção de riscos de desastres são capazes de fazer com que o Brasil, além de celebrar o dia 13 de outubro, faça jus a essa data, com notáveis estratégias preventivas e uma gestão de risco que zele pela vida dos seres e pela conservação da biodiversidade.

                                                                                     

Maria do Angico, Gilberto, Tereza e John: Família vive em área desertificada e está envolvida em ações de conservação da caatinga — Foto: Celso Tavares/G1. 

Núcleo de recuperação de área degradada na região de Cabrobó (PE). Pesquisadores do Nema/Univasf aproveitaram água de lagos artificiais formados após a transposição do Rio São Francisco — Foto: Celso Tavares/G1.

 

REFERÊNCIAS

  1. NOVAES, Roberto Leonan Morim; FELIX, Saulo; SOUZA, Renan de França. Save Caatinga from drought disaster. Nature, v. 498, n. 7453, p. 170-170, 2013.
  2.  . FREIRE, Neison Cabral Ferreira et al. The lagoons of Alagoas in the Caatinga Biome: Detection analysis and temporal mapping within the context of climate change. Revista Caminhos de Geografia, v. 23, n. 87, p. 36-52, 2022.
  3. PIVETTA, Marcos; FONTANETTO, Renata. Aquecimento global faz surgir primeira zona árida e expande clima semiárido e áreas secas no Brasil. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/aquecimento-global-faz-surgir-primeira-zona-arida-e-expande-clima-semiarido-e-areas-secas-no-brasil/. Acesso em: 14 out. 2024
  4. MATA-LIMA, Herlander et al. Impacts of natural disasters on environmental and socio-economic systems: What makes the difference?. Ambiente & Sociedade, v. 16, p. 45-64, 2013.
  5. DOMINGUES, Filipe. Combate à desertificação na caatinga depende de pesquisa científica e ação de pequenos produtores. Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/desafio-natureza/noticia/2019/08/21/combate-a-desertificacao-na-caatinga-depende-de-pesquisa-cientifica-e-acao-de-pequenos-produtores.ghtml. Acesso em: 09 out. 2024.
  6. Sexto Relatório de Avaliação do IPCC: Mudança Climática 2022. Disponível em: https://www.unep.org/pt-br/resources/relatorios/sexto-relatorio-de-avaliacao-do-ipcc-mudanca-climatica-2022. Acesso em: 14 out. 2024
  7. Plano de Ação Brasileiro de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAB). Disponível em: https://www.pabbrasil.ufrpe.br/. Acesso em: 14 out. 2024 
  8. Mudanças ambientais: 10 impactos sobre a Caatinga. Disponível em: http://www.ufcg.edu.br/prt_ufcg/assessoria_imprensa/mostra_noticia.php?codigo=20429#:~:text=Segundo%20o%20Centro%20Universit%C3%A1rio%20de,por%20enxurradas%2C%20inunda%C3%A7%C3%B5es%20e%20vendavais. Acesso em: 09 out. 2024.
  9. Ameaças à Caatinga. Disponível em: https://ispn.org.br/biomas/caatinga/ameacas-a-caatinga/ Acesso em: 09 out. 2024.
  10. Rede para Restauração da Caatinga. Disponível em: https://recaa.org/. Acesso: 14 out. 2024
  11. Apresentação Cemaden. Disponível em: http://www2.cemaden.gov.br/apresentacao/. Acesso em: 09 out. 2024.
  12. Um mês de enchentes no RS: veja cronologia do desastre que atingiu 471 cidades, matou mais de 170 pessoas e expulsou 600 mil de casa. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2024/05/29/um-mes-de-enchentes-no-rs-veja-cronologia-do-desastre.ghtml. Acesso em: 09 out. 2024.
  13. ONU celebra, em 13 de outubro, o Dia Internacional da Redução do Risco de Desastres. Disponível em: https://www.gov.br/mds/pt-br/noticias-e-conteudos/desenvolvimento-social/noticias-desenvolvimento-social/onu-celebra-em-13-de-outubro-o-dia-internacional-da-reducao-do-risco-de-desastres. Acesso em: 08 out. 2024