Dia Internacional da Onça-Parda: a comunidade como aliança para a conservação
O dia 30 de agosto é dedicado à comemoração internacional da onça-parda. Também conhecida como suçuarana, onça-vermelha e puma (do seu nome científico, Puma concolor), entre outros nomes regionais (leão-baio, lombo-preto, etc.), a data tem como intuito promover a conscientização sobre a importância que esse animal apresenta ao ecossistema devido ao seu papel de predador de topo, auxiliando no controle ecológico e equilíbrio ambiental, além de ser um dos animais foco do nosso Programa. Por isso, hoje trouxemos uma entrevista com o Douglas de Matos Dias, ex-integrante do PAO, doutor em ecologia e atual coordenador ambiental para falar sobre a data e as experiências prévias na conservação de grandes mamíferos carnívoros, com enfoque na onça-parda. Acompanhe a entrevista e descubra mais sobre os desafios e avanços na proteção deste fascinante felino!
Onça-parda representada pelos Moche, cultura do norte do Peru. O animal possui outras representações mitológicas, desde descrições em histórias até a crença de que vivem no submundo. Imagem: Museu Arqueológico Rafael Larco Herrera
Em 2018, Douglas Dias recebeu o título de doutor em Ecologia com uma tese sobre a influência antrópica (humana) na probabilidade de ocupação de mamíferos carnívoros e nas relações entre predadores e suas presas na Caatinga [1]. Desde a graduação, Douglas pesquisa a comunidade de carnívoros, e em seu doutorado focou nos impactos das usinas eólicas na região do Boqueirão da Onça (BA), comparando duas áreas: uma com parque eólico em funcionamento e outra com um parque em construção. “Essas comparações entre as duas malhas amostrais [usinas] permitiram que avaliássemos o quanto os animais estavam sendo impactados a partir dos dados de ocupação e detecção. Embora as onças-pardas e pintadas, por serem raras, não tenham mostrado resultados muito significativos, observamos que as onças-pintadas tendem a evitar áreas próximas aos parques eólicos, enquanto as onças-pardas não demonstraram uma resposta tão clara”, explicou. Ele também destacou que felinos de menor porte, como o jaguarundi (Puma yagouaroundi), evitam áreas de ocupação humana, o que pode aumentar os encontros desses animais com as populações locais, devido à contínua redução de seus habitats, e aos inúmeros riscos que esses encontros podem causar.
A Bahia, 7ª maior economia do Brasil em 2021 [2], abriga 232 unidades de conservação [3] e é uma das regiões foco para a expansão da matriz energética sustentável no país. Apesar desse avanço econômico, os levantamentos ambientais necessários para a projetos para a implantação de empreendimentos em áreas florestais muitas vezes apresentam erros e são pouco divulgados, comprometendo o preenchimento de lacunas cruciais para a conservação da biodiversidade da Caatinga. “Com o avanço da matriz energética sustentável, principalmente na Bahia e no Ceará, o número de levantamentos ambientais aumentou, o que é muito positivo, pois ainda existem muitas lacunas de informações sobre o bioma e a sua biodiversidade. Esses programas e empreendimentos ambientais têm seus prós e contras, e o que mais me preocupa é que não há muitos critérios na contratação de profissionais para desenvolverem esses estudos para as empresas”, afirma Douglas Dias, que tem experiência em consultoria ambiental e monitoramento de mastofauna em parques eólicos e linhas de transmissão. Ele destaca que os erros cometidos nesses levantamentos comprometem a qualidade dos relatórios ambientais, levando a consequências ambientais significativas para as áreas exploradas. “O plano de manejo tem prazo [de 5 anos], mas muitas vezes ele não chega nem a ser aplicado, o que dificulta o cumprimento da sustentabilidade e conservação, importantes componentes das diretrizes de construções de matrizes energéticas”, conclui.
Imagem: Carolina Esteves/Acervo PAO
A sustentabilidade é a palavra-chave nos projetos de desenvolvimento que têm sido apresentados nos últimos anos, impulsionados pelas demandas urgentes das mudanças climáticas. No entanto, a falta de planejamento e a escassez de profissionais para gerenciar as áreas protegidas são grandes desafios para a conservação ambiental no Brasil. Embora novas Unidades Federais de Conservação (UCs) estejam sendo planejadas para o futuro [4], a realidade atual ainda é preocupante. Em um trabalho realizado na Serra dos Macacos, uma área de 360 km² localizada no município de Tobias Barreto, em Sergipe, Douglas Dias revisitou o local anos após seu primeiro contato e ficou alarmado com o cenário atual, devastado pela agropecuária e caça ilegal: “A Serra dos Macacos não é uma área protegida, e é possível ver sequelas sérias da caça no local. Anos atrás, quando eu comecei no projeto, era possível ver cedros [Cedrela fissilis], importantes para o abrigo de espécies ameaçadas de extinção, o que é algo raro de se encontrar na Caatinga. Ano passado, quando eu fui visitar a mesma região, todas as árvores haviam sido desmatadas para uso do pasto e criação de gado,” relatou Douglas. Ele também destacou que o Boqueirão da Onça enfrenta desafios semelhantes, onde a caça ilegal e o desmatamento são problemas graves, muitas vezes enraizados em práticas culturais e mantidos pela impunidade. O pesquisador ressalta a importância de ações de conscientização e educação ambiental, trabalhos que têm sido fundamentais nas iniciativas do Programa Amigos da Onça para enfrentar essas condições adversas.
Em janeiro deste ano, a Revista Brasileira de Mastozoologia publicou em sua 92ª [5] edição um artigo que levantou dados, dos anos de 2003 a 2023, sobre o uso de armadilhas fotográficas e colares de rastreamento para monitoramento e coleta de dados de animais – tecnologias amplamente reconhecidas pela sua eficiência em trabalhos de conservação ambiental ao redor do mundo. Contudo, os resultados mostram que a Caatinga ocupa o segundo lugar entre os biomas brasileiros que menos utilizam essas técnicas, ficando atrás apenas do Pampa. Apesar de a estigmatização das regiões nordestinas ser uma realidade, Douglas Dias acredita que esses dados são “subestimados” e refletem um cenário mais complexo: “Existem muitos estudos de levantamento de dados na Caatinga para uso em licenciamentos ambientais. Porém, esses dados ficam engavetados no armazenamento de empresas e não são publicados. Essas ferramentas são muito importantes para a conservação e, apesar dos estudos acadêmicos na Caatinga serem menores em quantidade quando comparados aos outros biomas, o volume dos dados de levantamentos é muito grande, o que precisa de incentivo para que haja a publicação por parte das empresas [que são responsáveis por esses dados],” explica Douglas. Além das armadilhas fotográficas e colares de rastreamento, o uso de aparelhos de bioacústica e drones termais têm se tornado cada vez mais comum, demonstrando a importância de tecnologias inovadoras para a conservação do bioma.
Primeira captura de onça-pintada (Panthera onca) do PAO, em 2017. O animal foi batizado de “Rei” em simbologia ao seu papel no sertão brasileiro. Imagem: Acervo PAO/Instituto Pró-Carnívoros
A palavra “caatinga” tem origem etimológica que se refere ao visual de mata branca, característica comum das regiões do bioma durante os períodos de seca. No entanto, a Serra das Almas, uma reserva ambiental situada no Sertão dos Inhamuns, entre os estados do Ceará e do Piauí, desafia essa imagem estigmatizada com suas árvores longevas, folhosas e verdes. Protegida pela Associação Caatinga em parceria com a UNESCO, essa área é manejada como uma unidade de conservação de proteção integral e abriga cerca de 1700 famílias. Em 2015, Douglas Dias participou do levantamento de mastofauna e monitoramento de felinos na região e destacou o papel crucial dessas comunidades em estratégias de conservação. “Existem muitos projetos com a comunidade, como a produção de mudas, artesanato, conservação e conscientização socioambiental,” comentou. Douglas também enfatizou a importância de proteger e orientar as populações locais para prevenir o desmatamento e a caça, quebrando o ciclo geracional e cultural de destruição ambiental por meio da educação ambiental.
Sede da reserva, onde ficam os alojamentos para os pesquisadores e turistas. Imagem: Arnaldo Sete/Marco Zero
Em um cenário de mudanças climáticas e crescente expansão agropecuária, a conservação de espécies-chave como a onça-parda torna-se cada vez mais urgente. Comemorado internacionalmente, o Dia da Onça-Parda não apenas celebra esse magnífico predador, mas também reforça a importância de unir esforços em educação ambiental e planejamento sustentável. A conscientização pública sobre o papel vital dessas espécies no equilíbrio dos ecossistemas pode ser o diferencial necessário para garantir a sua proteção e presença nas paisagens da Caatinga.
Para acompanhar o projeto dos Felinos da Serra dos Macacos, siga-os nas redes sociais. O Programa agradece a entrevista concedida pelo Douglas e o trabalho feito em parceria com o PAO ao longo dos últimos anos.
Entrevista e texto por: Maria Eduarda Ferreira Rosinda
REFERÊNCIAS
- DIAS, Douglas de Matos. Influência antrópica sobre a probabilidade de ocupação de mamíferos carnívoros e as relações interespecíficas entre predadores e suas presas na Caatinga brasileira. 2018. 88 f. Tese (Doutorado) – Curso de Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018.
- [S.I.]. Dia do Meio Ambiente marca conquistas e desafios para a gestão ambiental da Bahia. Disponível em: https://servidores.rhbahia.ba.gov.br/noticias/2024-06-05/dia-do-meio-ambiente-marca-conquistas-e-desafios-para-gestao-ambiental-da-bahia. Acesso em: 31 jul. 2024.
- MEDEIROS, Betsy Dantas de. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA CAATINGA (UCs): IMPORTÂNCIA E POTENCIAL TURÍSTICO. 2023. 36 f. Monografia (Especialização) – Curso de Especialização em Gestão dos Recursos Ambientais do Semiárido, Instituto Federal de Educação Tecnológica da Paraíba, Picuí, 2023. Disponível em: https://repositorio.ifpb.edu.br/jspui/bitstream/177683/2989/1/UNIDADES%20DE%20CONSERVA%C3%87%C3%83O%20DA%20CAATINGA%20%28UCs%29-%20IMPORT%C3%82NCIA%20E%20POT%C3%8ANCIAL%20TURISTICO.pdf. Acesso em: 31 jul. 2024.
- EULER, Madson. Caatinga terá novas unidades de conservação até 2026. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/meio-ambiente/audio/2024-06/caatinga-tera-novas-unidades-de-conservacao-ate-2026#:~:text=A%20Caatinga%20vai%20ganhar%20novas,do%20Clima%20selecionou%2012%20projetos.. Acesso em: 31 jul. 2024.
- ALBERTI, Maria Eduarda Soares; LIMA-SILVA, Barbara. Use of camera traps in the research on terrestrial mammals in Brazil: history, methodological applications, and perspectives. Brazilian Journal Of Mammalogy, [S.L.], n. 92, p. 92-108, 13 jan. 2024. Boletim da Sociedade Brasileira de Mastozoologia. http://dx.doi.org/10.32673/bjm.vie92.108. Disponível em: https://bjm.emnuvens.com.br/bjm/article/view/108. Acesso em: 31 jul. 2024.
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