Do Sertão ao Mundo: Parques Nacionais, Unidades de Conservação e o Patrimônio Sustentável

O Parque Nacional de Yosemite, localizado nas montanhas da Serra Nevada, no estado da Califórnia nos Estados Unidos, é referência mundial de ecoturismo. Fonte: National Geographic. Foto: James Lange
Informações sobre a relevância das áreas protegidas para a preservação da biodiversidade têm sido abordadas com maior intensidade nos últimos anos, sendo a manutenção dessas regiões naturais um fator direto para a proteção dos serviços ecossistêmicos e para a redução dos impactos das mudanças climáticas. No entanto, além da quantidade de áreas protegidas e da extensão que abrangem, é crucial considerar sua conexão com a sociedade. O número de visitantes que essas áreas recebem constitui um dado relevante, capaz de fortalecer o apoio às iniciativas de conservação e restauração das florestas e corpos d’água.
Em 2015, um estudo publicado na PLOS Biology, estimou que áreas protegidas em todo o mundo recebem cerca de 8 bilhões de visitantes por ano, gerando aproximadamente 600 bilhões de dólares em turismo. A pesquisa coletou dados de 550 parques e áreas verdes, considerando fatores como população local e atratividade natural, demonstrando que o valor econômico proveniente do turismo ecológico supera amplamente o investimento destinado à conservação dessas áreas. No cenário nacional, um estudo de 2016, intitulado de “Quanto vale o verde”, revelou que cerca de 7 milhões de visitas às Unidades de Conservação (UCs) brasileiros contribuíram com um valor de 1,2 a 2,9 bilhões de reais para a economia, além de terem gerado entre 76 mil e 133 mil empregos em todo o país. Cabe destacar que, no Brasil, a LEI No 9.985, DE 18 DE JULHO DE 2000 que rege o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) estabelece categorias distintas de áreas protegidas, divididas entre uso sustentável e proteção integral, podendo ser de gestão municipal, estadual ou federal.

Parque Estadual da Restinga de Bertioga, que traz atividades a seus visitantes como rapel, rafting, trekking, tirolesa, observação de aves e expedições fotográficas. Fonte: Associação Bertioguense de Ecoturismo
Outro importante fator acerca do ecoturismo é o caráter terapêutico que esta atividade traz para a saúde mental do indivíduo. Estudo publicado na revista Nature Communications concluiu que há uma conexão direta entre as visitas a áreas protegidas e o bem-estar mental do indivíduo, o que destaca um valor significativo, que até então é pouco fomentado.
Nesse sentido, a Caatinga possui paisagens singulares com serras, cânions, rios temporários que vão muito além da imagem estigmatizada de escassez e seca. O bioma reúne espécies únicas de fauna e flora e, dessa forma, o ecoturismo pode surgir como ferramenta estratégica para valorizar a região e, ao mesmo tempo, fomentar a conservação ambiental. Inclusive, esse tema já foi abordado em um artigo no blog do Programa Amigos da Onça, que destacou o potencial do ecoturismo como aliado na proteção da Caatinga.
O Parque Nacional da Serra da Capivara (PI), Patrimônio Mundial da Humanidade, é reconhecido não apenas pelos sítios arqueológicos com pinturas rupestres milenares, mas também pela oportunidade de integrar história cultural e natureza no turismo sustentável. Já o Parque Nacional do Catimbau (PE) encanta com suas formações rochosas, trilhas e miradouros, que revelam a riqueza da Caatinga e atraem visitantes interessados em paisagens cênicas e observação da fauna. Outros exemplos são o Parque Nacional da Serra das Confusões (PI) e o Parque Nacional do Boqueirão da Onça (BA); esse último, área de estudo do programa. Essas unidades de conservação representam iniciativas fundamentais para a proteção da fauna, como a onça-parda e a onça-pintada.

Pinturas rupestres pré-históricas, encontradas no Parque Nacional da Serra da Capivara, que retratam a vida, rituais e interações sociais dos primeiros habitantes do Brasil há milhares de anos. Fonte: Arquivo interno do PAO. Foto por Cláudia Campos

Patrimônio Cultural Mundial desde 1991, o Parque Nacional da Serra da Capivara se localiza na região semi-árida do sudeste do Piauí. Fonte: Turismo Abril

Parque Nacional do Boqueirão da Onça, localizado na Bahia, às margens do rio São Francisco. Fonte: Arquivos do PAO. Foto: Carolina Esteves
No contexto nacional, embora o número de visitas às áreas protegidas no Brasil tenha crescido na última década, ainda é inferior ao observado nos EUA e Canadá. Em termos absolutos, superamos países da América Latina, como Argentina e Chile, mas, percentualmente, ou seja, quando se compara o número de visitantes pelo valor com o total de população, o desempenho brasileiro é menor.
Nesse sentido, no final de julho deste ano (2025), o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) celebrou 25 anos de existência, marco importante para a consolidação das políticas de preservação ambiental no Brasil e na mesma época, ocorreu também a campanha nacional “Um Dia no Parque”, uma iniciativa anual que promove atividades em Unidades de Conservação abertas ao público, aproximando a sociedade das áreas protegidas. Neste ano, o movimento alcançou números expressivos: foram 438 Unidades de Conservação participantes e cerca de 131 mil pessoas envolvidas em ações de contato direto com a natureza.
Assim, há um vasto potencial para expandir a economia ligada à conservação em nosso país, mas, para isso, é essencial promover infraestrutura e acesso às áreas protegidas, com o intuito de valorizar essas regiões e fomentar uma mudança cultural significativa na relação entre o ser humano e a natureza. No entanto, é importante refletir até que ponto a expansão do turismo em determinadas áreas é realmente benéfica, já que o aumento desordenado de visitantes pode trazer impactos negativos para os ecossistemas. O desafio está em conciliar o acesso com a responsabilidade comportamental dos visitantes.

Parque estadual do Itacolomi, localizado na cordilheira da Serra do Espinhaço. Foto: Turismo de Ouro Preto, Fonte: Receptivo Turístico de Ouro Preto.
Além disso, cabe ressaltar que para que o ecoturismo cumpra de fato seu papel de instrumento de conservação, é indispensável que seja sustentável também em sua dimensão social. Grande parte das Unidades de Conservação brasileiras enfrenta conflitos fundiários históricos, em que comunidades locais foram afastadas ou vivem sob incertezas quanto ao uso do território. Ademais, a maioria dessas áreas conta com número reduzido de funcionários e fiscalização precária, o que limita a efetividade das ações de proteção.
Nesse cenário, a integração das populações locais deixa de ser um desafio e passa a ser uma estratégia essencial: transformar moradores em aliados da conservação. Modelos como o Turismo de Base Comunitária, difundido em países africanos, demonstram que é possível unir geração de renda, valorização cultural e preservação ambiental, ao envolver diretamente comunidades no manejo do turismo e no fortalecimento do vínculo com as áreas naturais. No caso do Brasil, fomentar iniciativas semelhantes pode representar não apenas uma forma de reduzir conflitos, mas também de promover justiça social e sustentabilidade real.

O turismo na África é marcado pela sua diversidade, onde a fauna, flora e a cultura se apresentam de forma natural. Fonte: https://blog.desviantes.com.br/
Em adição à essa questão, destaca-se também que apesar de sua relevância, as Unidades de Conservação sofrem pressões constantes de redução, recategorização ou extinção, processos conhecidos pela sigla em inglês PADDD (Protected Areas Downsizing, Downgrading and Degazetting). No Brasil, propostas de PADDD têm se tornado uma estratégia recorrente contra a proteção ambiental, sobretudo nos biomas mais vulneráveis, como Cerrado, Caatinga e Amazônia. Desde 2018, mais de 90 eventos de PADDD já foram registrados, atingindo mais de 110 mil km².
Diante desse cenário de ameaças, torna-se ainda evidente que as Unidades de Conservação, na Caatinga e em todo o Brasil, representam muito mais do que áreas destinadas à preservação: elas são espaços de conexão entre natureza, cultura e sociedade. Além de constituírem o direito da população de acesso ao meio ambiente, garantido pela Constituição, asseguram a proteção de espécies e ecossistemas únicos, ao mesmo tempo em que oferecem oportunidades de desenvolvimento sustentável e melhoria da qualidade de vida para comunidades locais. Fortalecer o ecoturismo e investir em infraestrutura nessas áreas são passos fundamentais para que o Brasil assuma de vez seu potencial como referência mundial em conservação aliada à valorização cultural. Afinal, visitar e conhecer os parques nacionais e unidades de conservação do Brasil não é apenas um momento de lazer, mas um ato de cidadania e de compromisso com a natureza.
Texto por: Gustavo Gomes da Luz Pereira
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