Onças na Caatinga:
Protegê-las é proteger o bioma
As onças-pardas (Puma concolor) e as onças-pintadas (Panthera onca) que percorrem silenciosas as trilhas da Caatinga são muito mais do que símbolos de força e beleza selvagem. Elas são peças-chave para o equilíbrio ecológico do bioma que abriga uma biodiversidade exuberante em meio ao clima semiárido.
Na Caatinga, a vida se organiza com espécies vegetais e animais altamente adaptadas. Nesse cenário, as onças estão no topo da cadeia alimentar e ajudam a manter o equilíbrio da natureza controlando as populações de presas naturais e influenciando todo o ecossistema.
“Rei”, macho de onça-pintada (Panthera onca), monitorado no Boqueirão da Onça, registrado por armadilha fotográfica em um de seus deslocamentos noturnos. Fonte: Arquivo do Programa Amigos da Onça.
Ao controlar populações de veados, preás e tatus, e até mesmo de pequenos carnívoros, as onças ajudam a manter o equilíbrio ecológico, evitando que o consumo excessivo por espécies menores prejudique a regeneração do bioma. Quando a pressão predatória é eliminada, seja pela caça indiscriminada ou pela destruição do habitat, essas presas podem se multiplicar em excesso, resultando em sobrepastoreio e erosão do solo, comprometendo a capacidade do ambiente de se recuperar.
Além disso, ao predarem tanto indivíduos debilitados quanto jovens ou saudáveis, as onças acabam influenciando a dinâmica das populações de presas, contribuindo para a redução da propagação de doenças e para a manutenção do equilíbrio genético ao longo do tempo. Seu papel vai ainda mais longe: as carcaças deixadas por esses grandes felinos alimentam toda uma cadeia de necrófagos, desde aves de rapina, tatus e outros pequenos mamíferos além de insetos, fechando ciclos de nutrientes essenciais para a fertilidade do solo.
Onça-pintada flagrada por armadilha fotográfica durante suas andanças noturnas pela Caatinga. Fonte: Arquivo do Programa Amigos da Onça.
Na Caatinga, assim como em outros biomas tropicais, a ausência ou redução drástica dos grandes predadores pode levar ao fenômeno conhecido como “empty forests”, ou florestas vazias, onde a paisagem até mantém sua vegetação, mas a fauna é pobre ou desequilibrada, com populações de alguns animais crescendo demais enquanto outras desaparecem. Sem a presença das onças regulando as populações, a pressão sobre os recursos aumenta, o que pode alterar toda a estrutura do ecossistema.
Infográfico mostrando como proteger as onças na Caatinga garante o equilíbrio do bioma: os predadores controlam as populações de presas, que por sua vez influenciam a vegetação, mantendo viva a dinâmica ecológica do semiárido. Fonte: Elaborado pelo autor.
Portanto, proteger as onças na Caatinga é proteger o próprio bioma. Trabalhar pela conservação desses predadores, seja por meio do monitoramento, da restauração de habitats, do manejo de conflitos com comunidades rurais ou da educação ambiental, significa manter vivas as complexas relações ecológicas que sustentam a Caatinga como um todo.
Por fim, iniciativas como o Plano de Ação Nacional para a Conservação da Onça-Pintada, coordenado pelo ICMBio, contam com atividades de monitoramento e desenvolvimento de protocolos que mostram que conservar as onças na Caatinga passa inevitavelmente pelo diálogo com as populações que compartilham o mesmo território. Agricultores, criadores e comunidades tradicionais carregam conhecimentos e práticas que também são parte do patrimônio vivo da Caatinga. Ao envolver essas pessoas em programas de manejo de conflitos, monitoramento participativo e alternativas econômicas sustentáveis, garante-se não apenas a proteção do predador de topo, mas também o reconhecimento do valor cultural e histórico das comunidades que moldam a paisagem desse bioma único.
Nesse sentido, o Instituto Pró-Carnívoros (IPC) atua amplamente em pesquisas, programas de conservação e desenvolvimento de protocolos técnicos voltados aos carnívoros brasileiros, incluindo monitoramentos específicos que também contemplam as onças na Caatinga. Esses esforços contribuem para aprofundar o conhecimento científico sobre a ecologia, distribuição e ameaças aos grandes predadores, fortalecendo estratégias integradas que beneficiam tanto a fauna quanto as comunidades humanas.
Assim, ao garantir o futuro das onças, garantimos também o futuro das matas secas, das cactáceas, das bromélias escondidas entre as pedras, dos rios intermitentes e de toda a miríade de espécies que fazem da Caatinga um tesouro natural único no mundo. E mais do que isso, asseguramos o modo de vida das pessoas que vivem neste bioma, que também é parte inseparável do patrimônio vivo da Caatinga. Afinal, quando o predador prospera, a terra respira, junto com todos que dele dependem.
Texto por: Gustavo Gomes da Luz Pereira
Referências:
ICMBIO. Plano de ação nacional para a conservação da onça-pintada. Brasília: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, 2018. Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/portal/faunabrasileira/plano-de-acao-nacional. Acesso em: 03 jul. 2025.
KLINK, C. A.; MACHADO, R. B. Conservation of the Brazilian Cerrado. Conservation Biology, v. 19, n. 3, p. 707-713, 2005.
MEDEIROS, A. C.; OLIVEIRA, M. A.; MEDEIROS, P. H.; FARIAS, E. P. Estrutura trófica de comunidades de mamíferos em fragmentos de Caatinga. Revista Brasileira de Biociências, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 151-158, 2010.
RIPPLE, W. J. et al. Status and ecological effects of the world’s largest carnivores. Science, v. 343, n. 6167, 1241484, 2014. DOI: 10.1126/science.1241484.
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