Sabores do Sertão: O Que a Fauna da Caatinga Come no Arraiá da Natureza?
Autor: Gustavo Gomes da Luz Pereira
Na Caatinga, os hábitos alimentares das espécies revelam não apenas suas adaptações ecológicas, mas também sua contribuição para o equilíbrio do ecossistema. Assim como nas festas de São João em que os pratos típicos refletem a criatividade do sertanejo, a pamonha, por exemplo, que utiliza a própria palha como embalagem, os animais desse bioma também se valem de uma dieta rica em diversidade e adaptações inteligentes.
Entre os mamíferos, o tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla), que não possui dentes, utiliza sua língua comprida e pegajosa para capturar formigas e cupins escondidos em troncos secos, cupinzeiros e solo. Esse comportamento é fundamental para o controle populacional desses insetos. Outro animal de hábitos alimentares curiosos é o tatu-peba (Euphractus sexcinctus), com seu focinho afilado e garras fortes, cava o solo em busca de raízes, pequenos invertebrados e até frutos de cactáceas, revelando seu papel como importante dispersor de sementes.
Fotografia de um indivíduo de tamanduá-mirim no bioma da caatinga (Tamandua tetradactyla).
Fonte: Arquivo G1
Durante os dias e entardeceres da festa de São João, o sagui-de-cara-branca (Callithrix jacchus) percorre os galhos em busca de alimento. Ágil e curioso, esse pequeno primata se alimenta de frutas, insetos, ovos, pequenos vertebrados e até gomas e resinas de árvores, demonstrando uma dieta variada e capacidade de adaptação. Ele é como aquele convidado animado da festa junina que chega cedo, experimenta todas as comidas, brinca nas barraquinhas e ainda escala o pau de sebo só pela diversão.
Entre os répteis, a jiboia-comum (Boa constrictor) se alimenta de roedores, aves e lagartos. Já o teiú (Salvator merianae) é outro comedor eclético, com dieta composta por frutos, carniça, ovos e pequenos animais, essencial no controle populacional de espécies menores.
Quanto às aves, o periquito-da-caatinga (Eupsittula cactorum) buscam grãos, sementes e frutas, especialmente de cactáceas como o mandacaru (Cereus jamacaru) e o xique-xique (Pilosocereus gounellei). Esses alimentos ricos em água e energia garantem sua sobrevivência.
Fotografia dos hábitos alimentares do Periquito-da-caatinga (Eupsittula cactorum).
Fonte: World Parrot Trust
Entre os invertebrados, diversos besouros e formigas desempenham o papel de decompositores, alimentando-se de matéria orgânica em decomposição, contribuindo para a ciclagem de nutrientes e fertilização do solo.
Fotografia da formiga-gigante-da-caatinga (Diniponera Lucida) nas trilhas do parque nacional do catimbau.
Fonte: @valedocatimbau_oficial
Durante as festas juninas, o milho reina absoluto nas comidas típicas como pamonha, canjica (mungunzá doce), curau, cuscuz e bolo de fubá. Na Caatinga, outros grãos também compõem a dieta de animais que se aproximam dos ambientes antrópicos. A interação entre a cultura humana e a fauna local é inevitável, principalmente em comunidades tradicionais que compartilham espaço com a biodiversidade nativa.
Fotografia dos principais pratos e São João confeccionados com milho.
Fonte: Brasil de Fato
Portanto, compreender os hábitos alimentares das espécies da Caatinga é também valorizar a engenhosidade da vida. Cada animal possui sua própria “receita de sobrevivência”, e juntos, formam uma rede ecológica complexa e interdependente. Preservar esses hábitos é tão importante quanto manter vivas as tradições das festas juninas, ambas revelam a riqueza cultural e biológica de um dos biomas mais singulares do planeta.
Referências:
- CASTRO, C. S. S. Tamanho da área de vida e padrão de uso do espaço em grupos de saguis, Callithrix jacchus (Linnaeus) (Primates, Callitrichidae). Revista Brasileira de Zoologia, Curitiba, v. 20, n. 1, p. 91–96, 2003. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-81752003000100011.
- CASTRO, Everaldo Rodrigo de; GALETTI, Mauro. Frugivoria e dispersão de sementes pelo lagarto teiú Tupinambis merianae (Reptilia: Teiidae). Papéis Avulsos de Zoologia, São Paulo, v. 44, n. 6, p. 91–97, 2004. DOI: https://doi.org/10.1590/S0031-10492004000600001.
- SILVA, Kena Ferrari Moreira da et al. Mamíferos – Euphractus sexcinctus – tatu-peba – Avaliação do risco de extinção de Euphractus sexcinctus Linnaeus, 1758 no Brasil. Brasília, DF: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Ministério do Meio Ambiente, [s.d.].
- ROCHA, Wáldima Alves da; PRUDENTE, Ana Lúcia da Costa. The snake assemblage of Parque Nacional de Sete Cidades, State of Piauí, Brazil. South American Journal of Herpetology, Lawrence, v. 5, n. 2, p. 132–142, 2010. DOI: https://doi.org/10.2994/057.005.0207.
- WIKIAVES. Periquito-da-caatinga. Disponível em: https://www.wikiaves.com.br/wiki/periquito-da-caatinga. Acesso em: 15 jun. 2025.
- OHANA, José Abílio Barros et al. Mamíferos – Tamandua tetradactyla – tamanduá-mirim – Avaliação do risco de extinção de Tamandua tetradactyla Linnaeus, 1758 no Brasil. Brasília, DF: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Ministério do Meio Ambiente
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