Agricultura na Caatinga: o potencial do bioma como modelo de sustentabilidade
O solo da Caatinga, dotado de expressiva particularidade e resiliência, possui grande importância para a economia das pessoas que habitam o bioma e para a economia brasileira. O solo e o perfil climático do semiárido, aliados à sabedoria popular, perpetuados ao longo das gerações, permitiram aos sertanejos, agricultores, populações indígenas e quilombolas da região lidar com as condições particulares do bioma, como a estiagem prolongada, que os ensinou a otimizar o aproveitamento de água, a manejar rebanhos e, ainda, a utilizar a vegetação nativa como alicerce para as atividades econômicas.
O bioma é formado, essencialmente, pela agricultura familiar com forte presença de propriedades rurais típicas compostas pela agricultura de subsistência. No solo nordestino, uma modalidade agrícola chamada agricultura de sequeiro, é amplamente utilizada em locais com baixa pluviosidade. Nela preza-se pelo aproveitamento da água da chuva através de técnicas para armazenamento, além do cultivo de espécies que não necessitam de irrigação constante.
Contudo, é muito importante que saibamos que a agricultura do bioma não se restringe à subsistência. Segundo o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), a região Nordeste é responsável por 8,8% da safra nacional de cereais, leguminosas e oleaginosas (IBGE, agosto de 2020), com destaque para a agricultura familiar para o abastecimento do mercado interno. Importantes produtos agrícolas nativos cultivados são o umbu, o licuri, o caju, a mangaba, o mandacaru e o maracujá-da-caatinga.
A economia da Caatinga se destaca fortemente pelo cultivo de algodão, cana-de-açúcar, milho, feijão e mandioca, além da expressiva presença de plantações irrigadas de frutas para exportação, como manga, mamão, melão, melancia e, principalmente, uva, nas proximidades de Juazeiro e Petrolina, na região do Vale do São Francisco.
Rio São Francisco serve de canal de irrigação para lavouras na região de Juazeiro, Bahia e Petrolina, Pernambuco e sistema de gotejamento aumenta um terço a produção de frutas como a uva em relação a lugares onde chove. Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo.
Além da sua notável capacidade de produção agrícola, a população da Caatinga é guardiã de um importante conhecimento sobre como conviver com as condições do clima semiárido. Este fator é peça chave no desenvolvimento de um modelo inovador de produção adaptado às mudanças climáticas e alinhado à conservação ambiental.
Fonte: CPI/PUC-Rio com base nos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE)/ Climate Policy Initiative, 2023
Avanço da agricultura latifundiária na Caatinga
“Área ocupada pela agricultura na Caatinga cresce 1456% em 36 anos (1985 a 2020); pastagens têm salto de 48%”. A manchete, da revista “Brasil de Fato”, mostra uma face emblemática da agricultura latifundiária na região e nos leva a refletir sobre os efeitos de grandes propriedades agrícolas no bioma. O levantamento, divulgado em 2021 e obtido por monitoramento via satélite, detectou a agricultura de grande porte no país, mais associada ao latifúndio e mostrou ainda, que 112 municípios da Caatinga perderam 0,3 milhões de hectares de vegetação nativa ao longo de 36 anos. Nesse contexto, a expansão da fronteira agrícola, para viabilizar a agricultura comercial latifundiária e a pecuária, traz à tona os perigos de uma exploração descontrolada dos ecossistemas caatingueiros, dotados de um patrimônio biológico tão singular e, ao mesmo tempo, tão ameaçado.
Além disso, há, no bioma, alertas em relação à transgenia. Um levantamento realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR), alerta para o avanço da contaminação do milho crioulo do semiárido nordestino com genes transgênicos. A pesquisa mostrou que, das 1.097 amostras analisadas de municípios nordestinos, mais de um terço continha genes transgênicos. A contaminação das espécies crioulas com transgênicos reduz a agrobiodiversidade, tornando as safras mais vulneráveis e ocasionando a perda de suas características individuais.
Dessa forma, é necessário um olhar mais atento à agricultura na Caatinga, ou seja, um olhar que reconheça as potencialidades do bioma, mas que reconhece também sua fragilidade diante ao avanço de uma agricultura que não é aliada à sustentabilidade.
Agricultor exibe garrafa PET onde é armazenado o milho crioulo em seu banco de sementes. Foto: José Edson Silva/AS-PTA/Agência Eco Nordeste
Produção agrícola aliada à sustentabilidade
Em um contexto climático atual cada vez mais inseguro, é fundamental que os meios de produção estejam alinhados a critérios de sustentabilidade, resiliência e tecnologias inteligentes para o clima. Apesar dos efeitos da expansão agrícola latifundiária no bioma, a Caatinga se destaca positivamente por ter parte considerável da produção aliada à sustentabilidade, visto que os seguintes sistemas de produção predominam no bioma:
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Agricultura familiar: cultivo da terra realizado por pequenos proprietários rurais, tendo o núcleo familiar como mão de obra.
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Comunidades de fundos e fechos de pasto: localizadas principalmente no oeste da baiano, em que há criação de animais soltos em terras coletivas (chamadas de fecho), coleta de frutos e plantações. A criação do gado solto contribui para a preservação nas regiões onde essas comunidades estão localizadas, sendo uma forma de pastagem nativa que mantém o bioma.
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Sistemas Agroflorestais: Apesar de ainda pouco implementado, é um sistema que vem ganhando força na região, o sistema agroflorestal de produção é marcado pela combinação de espécies florestais, lavouras e criação de animais em um mesmo espaço.
Ibaretama (CE): Sistema ILPF (sistema Integração Lavoura-Pecuária-Floresta/ Sistema agroflorestal) – Rafael Tonucci/Embrapa/Agro em Dia
Dessa forma, a agricultura familiar é o segmento econômico que mais gera empregos na região, sendo que populações tradicionais e agricultores familiares realizam o manejo do solo caatingueiro, de modo a unir um cultivo variado de grãos, legumes e frutas a uma agricultura sustentável e geradora de renda. As atividades agroecológicas têm grande potencial de crescimento no bioma e podem atuar grandemente na preservação ambiental da Caatinga. Essa base produtiva, quando bem aplicada e aliada ao desenvolvimento econômico local, tem o poder de integrar produção sustentável, geração de renda, conservação e respeito pelos laços de identidade das populações extrativistas e dos agricultores familiares.
E você, leitor? Quer saber mais sobre a agroecologia na Caatinga? Clique aqui e assista a série “Agricultura sintrópica na Caatinga”, produzida pelo Centro de Pesquisa em Agricultura Sintrópica (CEPEAS), que retrata o agroecossistema implantado pelo agricultor Nelson em Poções – BA, a série ainda desmistifica a visão de um sertão nordestino pobre e miserável.
Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Carretão é um ícone da organização social do pequeno produtor sertanejo | Foto: Klenio Costa/ acervo de pesquisa
Na Caatinga, há muitas iniciativas que apoiam uma cadeia produtiva sustentável como o Projeto Rural Sustentável (PRS) Caatinga (https://prscaatinga.org.br/), uma iniciativa que conta com recursos do Financiamento Internacional para o Clima (ICF) e envolve agentes como o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) e a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS) e que, desde 2019, apoia a agricultura familiar em comunidades nordestinas sob a perspectiva de uma produção sustentável e de baixa emissão de carbono. O projeto demonstra que é possível aplicar Tecnologias Agropecuárias de Baixa Emissão de Carbono (TecABC) de forma a mitigar impactos climáticos e assegurar a segurança alimentar e econômica do agricultor familiar.
Há também o Projeto Bahia Produtiva (https://www.car.ba.gov.br/node/188), projeto do Governo do Estado da Bahia, executado pela Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), que apoia a agricultura familiar baiana e demonstra a grande capacidade do bioma para a produção de alimentos mais saudáveis e com características singulares
Além disso, frutos da Caatinga, como o umbu e o maracujá do mato, são fonte de renda para um grande número de famílias do Sertão Baiano que atuam na Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (COOPERCUC), (https://coopercuc.com.br/). A cooperativa, que conta com o Selo de Identificação de Produtos da Agricultura Familiar (Sipaf) e vende para 17 estados do Brasil e para Alemanha e França, produz a partir de frutas, principalmente o umbu, e conta com o apoio do Governo do Estado da Bahia por meio dos projetos Bahia Produtiva e Pró-Semiárido.
Dessa maneira, o uso sustentável do solo no semiárido evidencia que a Caatinga é um exemplo de como a dicotomia entre produção agrícola e conservação está sendo superada.
Umbuzada, um dos produtos mais famosos da Coopercuc.| Foto: Coopercuc/Eco Nordeste
Texto: Larissa Terra da Silva Guerra
Referências
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- ROCHER, Jóse. Um corredor verde no meio da Caatinga. Disponível em: –https://www.gazetadopovo.com.br/agronegocio/expedicoes/expedicao-agricultura-familiar/um-corredor-verde-no-meio-da-caatinga-c9jophkeivx91nvxthny5488l/. Acesso em: 01 out. 2024.
- ALBUQUERQUE, Amanda; ASSUNÇÃO, Juliano; CASTRO, Pablo; RASHIDY, Natalie e MIRANDA, Giovanna. Agricultores Familiares da Caatinga e do Cerrado: Mapeamento para a Promoção de uma Transição Rural Justa no Brasil. Disponível em: https://www.climatepolicyinitiative.org/pt-br/publication/agricultores-familiares-da-caatinga-e-do-cerrado-mapeamento-para-a-promocao-de-uma-transicao-rural-justa-no-brasil/. Acesso em: 01 out. 2024.
- SETTE, Elisa. Povos e Comunidades Tradicionais da Caatinga. Disponível em: –https://ispn.org.br/biomas/caatinga/povos-e-comunidades-tradicionais-da-caatinga/. Acesso em 29 out. 2024.
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- AMÂNCIO, Adriana. Um terço do milho crioulo do Semiárido está contaminado por transgênicos. Disponível em: https://brasil.mongabay.com/2023/08/um-terco-do-milho-crioulo-do-semiarido-esta-contaminado-por-transgenicos/.
- SALES, Alice. As riquezas e oportunidades da Sociobioeconomia da Caatinga. Disponível em: https://agenciaeconordeste.com.br/as-riquezas-e-oportunidades-da-sociobioeconomia-da-caatinga/. Acesso em 01 nov. 2024
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- CRISPIM, Maristela. Produtos feitos com frutos da Caatinga geram renda para agricultores familiares. Disponível em: https://agenciaeconordeste.com.br/produtos-feitos-com-frutos-da-caatinga-geram-renda-para-agricultores-familiares/. Acesso em: 01 Nov. 2024.