Educação crítica e ciência ambiental: preparando as futuras gerações para enfrentar a crise climática: uma entrevista com Paulo Marinho
No último texto da nossa série de entrevistas, o Programa Amigos da Onça conversou com o biólogo, professor e doutor em Ecologia, Paulo Henrique Marinho, sobre como a educação crítica pode formar cidadãos mais conscientes e engajados no enfrentamento da crise climática. Em um planeta cada vez mais devastado, ele discute caminhos para despertar a curiosidade científica nas novas gerações e quais medidas públicas podem ser tomadas para minimizar os impactos ambientais. Em comemoração ao Dia dos Professores, acompanhe essa entrevista sobre a relevância da educação ao se tratar do futuro climático!
Imagem: OnJornal
A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E O FUTURO AMBIENTAL DO PAÍS
O cenário legislativo para criação de leis voltadas à proteção ambiental está cada vez mais crítico. Um exemplo é a aprovação do Projeto de Lei 1.366/22 no primeiro semestre deste ano [1], a dispensa da necessidade de licença ambiental e pagamento da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TFCA) para plantações de eucalipto foi aprovada, o que favorece o setor agroindustrial e a expansão da monocultura no país. Apesar do eucalipto não ser um problema tão agressivo na Caatinga, Paulo comentou sobre o retrocesso legislativo do país ao longo dos anos: “Eu acho que a legislação ambiental brasileira que foi construída, marcada pelo enfraquecimento do Código Florestal em 2012, teve retrocessos e mudanças importantes. O que eu vejo é que a gente tem sido bombardeado por esses retrocessos, o que pode causar até uma extinção ao licenciamento ambiental, como no caso do autolicenciamento [onde empresas elaboram os seus próprios documentos, sem a ajuda de um profissional especialista em meio ambiente]”, afirmou. Com a finalização da greve dos servidores do IBAMA em agosto deste ano, a falta de recursos humanos dentro da administração dos órgãos ambientais brasileiro é um dos pilares para esse declínio: “esse enfraquecimento sistêmico, tanto da legislação quanto da dinâmica interna dos órgãos, são consequências visíveis do cenário ambiental atual do país. Uma câmara [federal] negacionista e conservadora tem facilitado esses retrocessos, principalmente durante o período da pandemia, onde os interesses puramente econômicos têm financiado o retrocesso da legislação ambiental brasileira e facilitado setores industriais – como os de produção energética, pensando em Caatinga”, finalizou.
A silvicultura, recentemente excluída das atividades de exploração que causam danos ao meio ambiente, estuda e aplica métodos naturais e artificiais de restauração do solo para finalidades econômicas, como a extração de eucalipto (ou “desertos verdes”), que está entre as principais práticas que agravam a emergência climática no Brasil [2]. Imagem: TitanLat
Quase 90% da energia consumida no Nordeste é oriunda da energia eólica e a região gera, hoje, 86% de toda energia eólica produzida no Brasil. Com mais de 870 parques eólicos em funcionamento [3], o bioma é foco principal na expansão das chamadas “energias renováveis” que, apesar de serem descritas como “limpas”, foram atividades que desmataram mais de 4 mil hectares de caatinga (em minúsculo, pois refere-se à vegetação) em 2022 [4]. Em publicação recente para o jornal ambiental o Eco [5], Paulo Marinho questionou “Para onde irão as onças da Caatinga quando a última serra for ocupada por parques eólicos?” e destacou a criação de novas Unidades de Conservação (UCs) como medida preventiva: “Hoje em dia, não se consegue mais falar de Caatinga e semiárido sem falar sobre energia renovável, principalmente dos impactos ao meio ambiente e na vida das populações residentes. Isso é positivo, pois em 2015, ano em que comecei a trabalhar com o licenciamento ambiental, esse tipo de discussão era isolada. Atualmente, quando essas notícias [sobre os impactos das energias renováveis aparecem] em redes sociais, vê-se nos comentários uma maior conscientização da população”, afirmou.
O professor destaca que só debater não será o suficiente sem um bom plano de desenvolvimento econômico aliado ao planejamento e conservação ambiental: “Para associar um bom desenvolvimento econômico com a conservação e preservação ambiental, precisa-se: 1. investir em soluções [ambientais] baseadas em conhecimentos científico; 2. vincular a criação de novas UCs em áreas onde já existam parques [eólicos?]facilmente acessados pela população; 3. mapear as instalações energéticas e como a compensação ambiental [obrigatória, por lei] tem sido feita por seus responsáveis”, comentou. Paulo concluiu que descentralizar os lucros gerados pelos parques eólicos e outras formas de energia verde, garantindo que as populações tradicionais participem da elaboração desses projetos, é fundamental para equilibrar o desenvolvimento econômico com a proteção ambiental. Além disso, ele ressaltou a importância de fortalecer os órgãos ambientais, para que possam atuar com mais rigor e eficiência na proteção do meio ambiente.
A EDUCAÇÃO É A CHAVE PARA FORMAR JOVENS ENGAJADOS COM A CIÊNCIA
As lacunas educacionais geradas pela pandemia são notórias e ainda pouco solucionadas. Um dos sintomas do déficit de aprendizagem gerado pelo período de contaminação da Covid-19 é a evasão escolar, que aumentou em 171% no período de um ano – o que equivale a 2 milhões de crianças e adolescentes fora da escola [6]. Professor estadual de educação básica do Ceará, Paulo comentou sobre os desafios enfrentados no ensino de ciências no pós-pandemia e destacou o estímulo à curiosidade como ferramenta para contornar as dificuldades geradas no período: “Pensar na escola, como instituição, e no professor como responsáveis [pela minimização das lacunas deixadas pela pandemia] é algo amplamente difundido, mas que, apesar de serem parte dos responsáveis, não ocorre com exclusividade. O contexto social, econômico, familiar e psicológico no qual o aluno está envolvido também devem ser levados em consideração, principalmente na falta de engajamento por matérias de ciências naturais. O estímulo à curiosidade é essencial no ensino de Ciências, principalmente para mostrar aos alunos como o mundo no entorno deles funciona”, comentou. O professor narrou parte de uma atividade de campo realizada recentemente com seus alunos, onde levou-os para comunidades tradicionais que utilizam da carnaúba (Copernicia prunifera), palmeira sertaneja do Nordeste, como recurso natural na confecção de artesanatos, explorando os conhecimentos populares sobre o uso desta planta. “Nem sempre dá para fazer atividades em campo e/ou práticas, então, incluir exemplos de notícias de jornal, vídeos virais de redes sociais, que os alunos sempre mencionam, são formas de adaptar esse ensino e promover o despertar pela conservação ambiental nos diferentes anos de escolaridade. Isso não deve ser feito pensando que todos ali trabalharão na área, mas sim pensando no desenvolvimento do pensamento crítico e na curiosidade acerca do mundo que os [alunos] envolvem é essencial”, concluiu.
Artesanato confeccionado com palha de carnaúba. O estímulo à economia popular, por meio da promoção de cursos formalizantes gratuitos e oficinas de empreendedorismo, é outra forma de promover o desenvolvimento econômico e social sustentável na Caatinga. Imagem: Arteblog
Em relatório publicado em Junho deste ano [7], a Organização Meteorológica Mundial mostrou que há 80% de chances do planeta aumentar 1,5ºC de sua temperatura nos próximos 5 anos. Apesar do destaque à pauta ambiental nos últimos anos, impulsionada pelas mudanças climáticas cada vez mais perceptíveis no cotidiano, ainda ignora-se os conhecimentos tradicionais acerca do uso e manejo dos recursos naturais (para saber mais sobre a população tradicional da Caatinga, acesse nosso texto aqui ). O professor reconhece essa ausência de interdisciplinaridade e frisa a importância dos saberes tradicionais na educação ambiental: “Eu tenho acessado mais frequentemente literaturas que conciliam a Ecologia com a Sociologia, mas isso é algo que eu não tive acesso durante a graduação e que ainda não é pensado na grade curricular de cursos de graduação. Pensando nas escolas e na atuação docente, o currículo [escolar], apesar dos seus defeitos, tende a tornar essa interdisciplinaridade mais comum. Isso é possível quando há professores dispostos a promover essa relação entre as diferentes disciplinas”, afirmou. Paulo ainda destaca que essa interdisciplinaridade entre a biologia e as ciências humanas é essencial para ilustrar aos alunos como a natureza não está desconectada do contexto social em que vivemos: “Não tem como o buraco na camada de ozônio, como mencionado, estar isolado da questão econômica atual, onde os mais ricos consomem e exploram mais do que os mais pobres, mas sofrem menos com as mudanças climáticas que eles mesmos causam”, concluiu.
A crise climática é um desafio global que exige ações concretas e uma transformação profunda em nossa relação com o meio ambiente. Nessa jornada, os professores desempenham um papel crucial. Eles são os responsáveis por formar as gerações de agora e futuras, não apenas transmitindo conhecimento, mas instigando o pensamento crítico, a curiosidade científica e a consciência ambiental. Uma educação que estimule a construção de opiniões fundamentadas e uma visão crítica da realidade é essencial para que possamos, no futuro, ver mudanças reais e tangíveis no enfrentamento das questões climáticas. O Programa Amigos da Onça agradece ao Paulo Marinho pela entrevista e deseja a todos os profissionais da educação um feliz Dia dos Professores!
Entrevista e texto: Maria Eduarda Ferreira Rosinda
Colaboração: Larissa Terra da Silva Guerra
REFERÊNCIAS
- CAPITAL, Carta. Câmara aprova dispensa de licença ambiental para plantações de eucalipto. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/camara-aprova-dispensa-de-licenca-ambiental-para-plantacoes-de-eucalipto/. Acesso em: 18 ago. 2024.
- ANDRADE, Natália. Mineração e cultivo de eucalipto estão entre práticas que agravam emergência climática no Brasil, diz pesquisadora. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2024/09/16/mineracao-e-cultivo-de-eucalipto-estao-entre-praticas-que-agravam-emergencia-climatica-no-brasil-diz-pesquisadora. Acesso em: 18 ago. 2024.
- DAMASIO, Kevin. Caatinga vive o dilema da transição energética justa. Disponível em: https://oeco.org.br/reportagens/caatinga-vive-o-dilema-da-transicao-energetica-justa/#:~:text=Nos%20estados%20da%20Caatinga%2C%20j%C3%A1,e%20as%202.787%20em%20obras.. Acesso em: 18 ago. 2024.
- CARNEIRO, Giovanna. Energia renovável desmatou mais de 4 mil hectares de Caatinga em 2022. Disponível em: https://marcozero.org/energia-renovavel-desmatou-mais-de-4-mil-hectares-de-caatinga-em-2022/. Acesso em: 18 ago. 2024.
- MARINHO, Paulo Henrique. Para onde irão as onças da Caatinga quando a última serra for ocupada por parques eólicos? Disponível em: https://oeco.org.br/analises/para-onde-irao-as-oncas-da-caatinga-quando-a-ultima-serra-for-ocupada-por-parques-eolicos/#:~:text=e%C3%B3lica%20on%C3%A7a%2Dparda-,Com%20a%20expans%C3%A3o%20desenfreada%20dos%20parques%20e%C3%B3licos%20e%20fotovoltaicos%20na,para%20a%20sa%C3%BAde%20dos%20ecossistemas.. Acesso em: 18 ago. 2024.
- MUDES, Fundação. Desafios da educação no pós-pandemia. Disponível em: https://mudes.org.br/desafios-da-educacao-no-pos-pandemia/#:~:text=Com%20um%20d%C3%A9ficit%20de%20aprendizagem,adolescentes%20estavam%20fora%20da%20escola.. Acesso em: 18 ago. 2024.
- FEDERAL, Governo. Planeta pode ultrapassar 1,5°C nos próximos cinco anos, diz relatório da Organização Meteorológica Mundial. Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/noticias/2024/06/planeta-pode-ultrapassar-1-5oc-nos-proximos-cinco-anos-diz-relatorio-da-organizacao-meteorologica-mundial#:~:text=O%20conjunto%20de%20dados%20do,quinta%2Dfeira%20(6).. Acesso em: 18 ago. 2024.