A agroecologia e manejo sustentável das vegetações da Caatinga: entrevista com Helder Farias

O Dia de Proteção às Florestas foi comemorado em 17 de julho e o PAO entrevistou o biólogo Helder Farias Pereira de Araújo, professor da Universidade Federal da Paraíba e assessor em avaliações nacionais de espécies ameaçadas de extinção no ICMBio, para conversamos sobre suas experiências e perspectivas, agroecologia, manejo sustentável do solo e futuras iniciativas para a conservação da Caatinga diante das mudanças climáticas e do atual panorama legislativo do Brasil. Vamos descobrir como a ciência pode salvar a Caatinga?

Uma floresta de Caatinga bem preservada, localizada na Serra do Feiticeiro, em Lajes (RN) | Foto: Juan Carlo Varga Mena / Eco Nordeste

AVANÇO AGROPECUÁRIO E SUSTENTABILIDADE

Em trabalho publicado no ano passado, Helder afirma que a perturbação humana causa mais modificações na vegetação da Caatinga do que as mudanças climáticas. Ele explica que, embora essas mudanças climáticas também impactem significativamente a composição do bioma, os exemplos positivos de manejo sustentável devem guiar os próximos passos: “O semiárido é uma das regiões mais vulneráveis às mudanças climáticas no mundo. A evolução da biota e da biodiversidade dessas regiões está ligada à evolução das mudanças climáticas.” Helder também menciona que o aumento da erosão e a redução da capacidade de drenagem do solo, intensificados pela exploração humana, aceleram as transformações na Caatinga: “A exploração constante justifica a brutalidade das mudanças. A interiorização do bioma para a passagem de gado e intensa atividade agropecuária reduziram sua capacidade produtiva natural. Poucos exemplos [de manejo sustentável] existem, mas os que temos são altamente produtivos, como o sistema de vacas leiteiras. Práticas agropecuárias que aumentem a produtividade do solo e que estejam atreladas às áreas de maior presença de florestas são o caminho para um equilíbrio.”, diz.

Ainda em 2023, o Brasil registrou o maior avanço histórico da agropecuária, com um acréscimo de 15% na economia brasileira, acumulando mais de 675 bilhões de reais (IBGE). Professor dos cursos de Agronomia, Ciências Biológicas e Zootecnia, ele falou sobre os desafios de formar profissionais que valorizem tanto a produção agrícola quanto a conservação ambiental e destaca a coletividade como ferramenta: “Com meus estudos de biogeografia, pude visualizar que o bioma deveria ser muito mais do que é. Debates constantes com os alunos e colegas são necessários para trazer soluções científicas aplicáveis na realidade de uma região que já foi 89% degradada”, comenta. Sobre o projeto de pesquisa “O papel dos serviços ecossistêmicos para reverter a trajetória de degradação ambiental e pobreza na Caatinga” que está sendo desenvolvido no Cariri Velho (PE), Helder comentou: “Descobrimos que atividades agrícolas alinhadas às paisagens vegetativas nativas mantêm maior umidade do solo e suportam melhor as mudanças climáticas. Por exemplo, durante o pico de estiagem no semiárido entre 2012 e 2017, as áreas do Cariri com menor chuva mantiveram a produtividade maior que àquelas com mais chuva devido ao uso sustentável das paisagens agrícolas”, disse. O professor destaca a importância de pensar práticas sustentáveis que incluam as comunidades da região nos projetos econômicos, de forma que se beneficiem dos retornos que a sustentabilidade é capaz de fornecer.

Ovelhas em pasto natural. Foto: O Eco.

AVANÇO ECONÔMICO TAMBÉM É SOBRE AVANÇO SOCIAL

Helder também falou sobre o Nexus Caatinga, projeto que ele participa como coordenador desde 2017 e conta com a contribuição de diferentes profissionais e estudantes pesquisadores para um desenvolvimento agropecuário sustentável na Caatinga. Com base em um trabalho publicado em 2021, que fala sobre modelo de paisagem agrícola sustentável, o professor respondeu sobre os desafios da implementação de rotações de cultura em regiões historicamente dominadas pelas produções de ciclo único: “A monocultura (cana, sisal, algodão) é um cenário já conhecido na Caatinga, que trouxe um retorno econômico significativo para a região, mas depois colapsou e se tornou improdutivo. A produtividade é essencial para o sustento econômico, mas deve estar associada à sustentabilidade para evitar colapsos futuros. A atual monocultura da palma, utilizada na indústria alimentícia e cosmética, é altamente rentável, mas não salvará o bioma.”, respondeu. O pesquisador também destacou a importância de práticas sustentáveis, como a rotação de culturas e a diversificação agrícola, citando Petrolina (PE) como um exemplo de sucesso: “Petrolina é uma região de produção frutífera de qualidade, onde a água do São Francisco tem importância para os pequenos produtores, que são beneficiados pela produção de frutos de qualidade”. 

O panorama legislativo da Caatinga ainda é primário. Diferente de outros biomas do país, como o Cerrado e a Mata Atlântica, este bioma não possui uma lei específica voltada à sua proteção. Atualmente, existem projetos em discussão na Câmara, como a PEC Caatinga e Cerrado e a aprovação, em Junho deste ano, da criação de 12 novas unidades de conservação no bioma (FUNBIO). Helder, que é assessor em avaliações nacionais de espécies ameaçadas de extinção, bem como em planos nacionais de conservação dessas espécies junto ao ICMBio, comentou sobre impactos futuros que o atraso no amparo legislativo ao bioma pode causar: “A estigmatização da Caatinga é algo social e acadêmico, cenário que só começou a mudar a partir dos anos 2000 com estudos moleculares na biota da região que indicaram a sua alta taxa de endemismo. O descaso legislativo é uma responsabilidade social, e os pequenos avanços são importantes para voltarem-se olhares para a conservação dessas regiões.”, afirmou.

O Nordeste brasileiro tem sido protagonista nos planos de transição energética do país. Com posição estratégica, com bons ventos, abundância de sol e uma extensa região costeira, a região é líder em energias renováveis com 90% de produção da energia eólica de todo o país (O Eco). Helder tem trabalhado no levantamento da ornitofauna (= aves) na hidrelétrica de Santo Antônio (PA), e falou sobre o equilíbrio entre o avanço energético e conservação da fauna local: “Precisamos juntar forças para aproveitar o potencial energético da Caatinga, mesmo sendo um bioma já degradado. Sustentabilidade é uma pauta mundial e o pilar para isso se manter é entender o potencial econômico dessas matrizes energéticas e como isso está relacionado ao desenvolvimento sustentável de processos ambientais já degradados.”, afirmou. Helder destacou que os impactos sociais e ambientais podem ser mitigados pelo uso de tecnologias e cumprimento das regras estabelecidas, como os estudos de impacto ambiental: “O que não pode ser feito é um modelo exploratório e degradador. Um sistema planejado é bem-sucedido ao aumentar o desenvolvimento econômico, social e ambiental.”

Turbina eólica no quintal de Roselma de Melo, no Sítio Sobradinho, em Caetés (PE). Foto: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

O professor também realiza um trabalho significativo com o Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD) na região da Chapada Diamantina no Estado da Bahia. Esta área, dentro do semiárido, apresenta uma variação de latitude interessante, passando da região sertaneja até áreas de altitude. Sobre a importância dos corredores ecológicos e a alta taxa de endemismo nessas regiões, Helder explicou: “A Chapada Diamantina funciona como um ‘laboratório de mudança climática’ devido à sua grande variação de temperatura em uma área pequena. Estudamos quais grupos de biodiversidade ocupam cada região e como são afetados pelas mudanças climáticas, incluindo adaptações fisiológicas.”. Com destaque à importância das interações entre a vegetação exclusiva da região e os animais que dela dependem: “A vegetação exclusiva da Chapada Diamantina é fundamental para a fauna local. As mudanças climáticas têm um impacto direto nessas interações, e nosso trabalho no PELD busca entender essas dinâmicas para proteger e conservar esses ecossistemas únicos.”

Mapa com a distribuição dos sítios PELD por biomas. Foto: PELD

O Programa Amigos da Onça agradece o tempo e colaboração do professor Helder. Para acompanhar os projetos e trabalhos mais recentes do biólogo, siga o Nexus Caatinga e o PELD Chapada Diamantina em seus respectivos perfis.

Entrevista e texto por: Maria Eduarda Ferreira Rosinda

REFERÊNCIAS
  1. ARAUJO, Helder F. P.; CANASSA, Nathália F.; MACHADO, Célia C. C.; TABARELLI, Marcelo. Human disturbance is the major driver of vegetation changes in the Caatinga dry forest region. Scientific Reports, [S.L.], v. 13, n. 1, p. 1-11, 27 out. 2023. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1038/s41598-023-45571-9. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41598-023-45571-9#citeas. Acesso em: 08 jul. 2024.
  2. PECUÁRIA, Ministério da Agricultura e. Crescimento da economia brasileira é impulsionado pela alta de 15% da agropecuária em 2023. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/crescimento-da-economia-brasileira-e-impulsionado-pela-alta-de-15-da-agropecuaria-em-2023#:~:text=Puxando%20o%20crescimento%20da%20economia,R%24%2010%2C9%20trilh%C3%B5es.. Acesso em: 21 jul. 2024.
  3. ARAUJO, Helder F.P. de; MACHADO, Célia C.C.; PAREYN, Frans G.C.; NASCIMENTO, Naysa F.F. do; ARAðJO, Lenyneves D.A.; BORGES, Laís A. de A.P.; SANTOS, Bráulio A.; BEIRIGO, Raphael M.; VASCONCELLOS, Alexandre; DIAS, Bruno de O.. A sustainable agricultural landscape model for tropical drylands. Land Use Policy, [S.L.], v. 100, p. 104913, jan. 2021. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.landusepol.2020.104913. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0264837720306128?via%3Dihub#preview-section-introduction. Acesso em: 08 jul. 2024.
  4. DEPUTADOS, Câmara dos. PEC 504/2010. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=483817. Acesso em: 07 ago. 2024.
  5. FUNBIO. Novo projeto do MMA apoiará 4,5 milhões de hectares de áreas protegidas na Caatinga. 2024. Disponível em: https://www.funbio.org.br/novo-projeto-do-mma-apoiara-45-milhoes-de-areas-protegidas-na-caatinga/. Acesso em: 07 ago. 2024.

 

 

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