Turismo na Caatinga como ferramenta de ressignificação e conservação

A Caatinga é o berço de um patrimônio biológico e antropológico fantástico. Quando olhamos para esse bioma com sensibilidade e curiosidade, reconhecemos sua importância como um dos pilares do Brasil, desempenhando um papel crucial na formação da  diversidade sociocultural do país. O bioma é dotado de uma flora e fauna singulares, que evidenciam a resistência e resiliência do sertão, além de refletir uma identidade cultural marcante que, por sua vez,  foi construída e lapidada ao longo do tempo pelos habitantes nordestinos. 


Mercado Municipal de Aracaju-SE, atração turística que conta com uma grande variedade de produtos relacionados à cultura nordestina. Foto: Larissa Terra, 2024.

Contudo, ainda há a perpetuação de uma visão limitada sobre a ã Caatinga, que é constantemente associada à uma floresta morta e improdutiva, o que gera uma desvalorização da mesma. Uma ferramenta extremamente eficiente e significativa para a desmistificação da visão de um sertão pobre e miserável é o turismo, com ele é possível conhecer as potencialidades do bioma, além de ressignificá-lo como um espaço culturalmente e ecologicamente diverso, dotado de manifestações marcantes. 

Por interferir na dinâmica socioeconômica na realidade ao qual está presente, é importante que o turismo conte ainda com a participação da comunidade local, de modo a fortalecer os laços de identidade e pertencimento dos moradores. Dessa forma, estimula a economia local, e pode transmitir aos turistas um saber tradicional da região que somente os moradores locais detém.

TURISMO CULTURAL 

A Caatinga é formada por pessoas também. Ela é uma das florestas que têm uma das maiores quantidades de habitantes que criam, vivem e perpetuam a sua cultura ligadas ao ecossistema caatingueiro, as suas águas, ao seu solo e a sua imensa diversidade.

Logo, ao contrário do que se imagina, o turismo na Caatinga não se restringe às belezas naturais, o bioma é fortemente caracterizado por uma relação intrínseca entre homem e natureza, sendo fundamental percebê-lo também como espaço de luta e resistência de um povo que, tradicionalmente, é visto como desprovido de cultura e conhecimento.

 Festa do Bumba meu boi no Maranhão, comemoração típica considerada Patrimônio Cultural do Brasil. Foto: Shutterstock

Seja em novelas, na literatura ou na música, a Caatinga sempre se fez presente na expressividade artística brasileira, o bioma foi palco de cenários emblemáticos da história brasileira, como a Guerra de Canudos, além de ser um importante sítio arqueológico do Brasil, rica em vestígios rupestres que remontam a história do Homem Americano. O bioma ainda é uma importante referência gastronômica brasileira, conhecido por sua culinária única  e por seus pratos típicos marcantes como acarajé, vatapá, baião de dois, cuscuz, entre outros. Dessa forma, as relações socioculturais do bioma, juntamente com a herança natural, atuam juntas moldando e lapidando a identidade nordestina. 

Nesse contexto, o turismo representa uma ferramenta de conhecimento, pois é preciso conhecer para conservar, a conservação deve ser não só as riquezas naturais do bioma, mas também a expressiva cultura da região.

PROJETOS TURÍSTICOS QUE INSPIRAM 

Em 2012, a organização não governamental “Associação Caatinga”, realizou um importante projeto chamado “Embarque nas Trilhas da Caatinga”, com o intuito de potencializar o turismo sustentável na Reserva Natural Serra das Almas, em Crateús (CE), através da formação de condutores de ecoturismo e integração com as comunidades locais. Esse é um exemplo de projeto que deve inspirar outras mobilizações com a mesma proposta: aliar conhecimento nordestino à sustentabilidade, investindo na qualificação de guias turísticos, na sensibilização dos turistas e ampliando o ecoturismo.

O turismo ainda oferece oportunidades e fortalece os laços de identidade para os moradores locais, quando há investimento em qualificação. É comum, nos principais centros turísticos nordestinos, a oferta de cursos técnicos para a formação de guias. Como exemplo, cita-se o curso em guia de turismo oferecido em 2024, no estado de Sergipe, pelo SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), que reforça a importância da preservação ambiental em Canindé do São Francisco. Nele, os alunos aprendem na prática a importância do turismo sustentável e do respeito pela cultura local,  conhecendo a caatinga e a riqueza da fauna e da flora local.

Além disso, há também a iniciativa “Talentos do Brasil Rural”, fruto de uma parceria entre os Ministérios do Desenvolvimento Agrário (MDA), do Turismo (MTur) e o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), criada para fortalecer a relação entre a agricultura familiar e a atividade turística. O projeto apoia propriedades participantes de roteiros de turismo na região de Seridó (RN) e alia ecoturismo, cultura e economia, em que agricultores da Caatinga entram na rota do turismo rural e mostram como é possível conviver com a seca. 

O Sítio Santa Izabel, participante da iniciativa, revela a cultura e a produção do sertão potiguar, proporcionando aos turistas uma agradável conversa com os proprietários e uma mesa farta de alimentos típicos. Os proprietários do sítio e agricultores familiares, Francisco Alves Sobrinho e Maria Aparecida, relatam que “É uma forma de mostrar ao visitante que é possível conviver com a seca e, mesmo assim, ter qualidade de vida e produzir alimentos”. 

Os empreendimentos de agricultura familiar que fazem parte do Roteiro Seridó valorizam a identidade cultural da região e promovem a geração de emprego e renda a partir do turismo, fazendo dele seu alicerce. 

Licor de umbu, fruta típica nordestina, amplamente utilizada como base para fabricação de outros produtos, gerando renda ao agricultor. Foto: Coopercuc

E você, leitor? Quer explorar o turismo cinematográfico e conhecer ainda mais a singularidade e importância do semiárido nordestino? Assista ao documentário”Patrimônio da Caatinga – Filme Completo” que relata a fauna e flora do bioma, as relações culturais da região e o marcante patrimônio arqueológico da Serra da Capivara e da Serra das Confusões no Piauí. E ainda, as paisagens caatingueiras foram cenários de importantes novelas e filmes da dramaturgia brasileira como “Velho Chico”, “Auto da Compadecida” e “Cordel Encantado”, abrindo espaço para a representatividade do bioma no cenário artístico brasileiro.

Além disso, separamos três destinos turísticos que encantam e revelam a riqueza biológica e cultural da Caatinga:

Chapada Diamantina (BA): começando por um local onde a imensidão da natureza caatingueira emerge juntamente com áreas de Cerrado, de modo que a marcante biodiversidade da Caatinga pode ser vista através das trilhas que percorrem campos rupestres, cachoeiras, cavernas e sítios históricos da região.

Foto: Andras Jancsik

Parque Nacional do Catimbau (PE): marcado pela grandiosidade de suas formações geomorfológicas milenares, que formam chapadões, cânions e cavernas, o parque também possui sítios arqueológicos e pinturas rupestres. Além de belezas naturais, o turismo na região proporciona, também, o conhecimento da riqueza cultural local, através da população que mantém vivas as tradições locais.

Pinturas rupestres no parque. Fonte: Buson

Canindé de São Francisco (SE): ao percorrer as águas em meio aos grandiosos paredões de cânions do rio São Francisco, é possível observar uma região onde a presença dos famosos cangaceiros foi marcante. Na região, fica a Trilha do Angico, que leva à grota onde Lampião, Maria Bonita e outros cangaceiros foram decapitados e tiveram suas cabeças levadas e expostas para Piranhas (AL), cidade próxima de Canindé, onde fica o Museu Arqueológico do Xingó, que expõe objetos encontrados em mais de 50 sítios arqueológicos.

Fonte: Aracaju turismo

Sendo assim, cada localidade na vasta Caatinga apresenta atividades produtivas, uso de matéria-prima nativa, relações de pertencimento e dinâmicas próprias, contribuindo ativamente para a valorização da região.

Dessa maneira, o turismo deve ser incentivado, se consolidando como ferramenta poderosa para a criação de um senso crítico e de uma visão diferenciada sobre o bioma. O conhecimento se torna crucial para conservação e valorização da Caatinga, mostrando as potencialidades de sua biodiversidade, além de suas características singulares e emblemáticas. 

 

Texto por: Larissa Terra

 

REFERÊNCIAS
  1. SELVA, V. S. F.; COUTINHO, S. F. S.; SOUZA, T. M. Viabilidade do turismo no biomacaatinga: Da linguagem do ambiente para a linguagem do ecoturista. Revista Nordestinade Ecoturismo, Aracaju, v.1, n.1, p.62, 2008.
  2. FEDERAL, Governo.Caatinga: o bioma 100% brasileiro. Disponível em:

    https://www.gov.br/turismo/pt-br/assuntos/noticias/caatinga-o-bioma-100-brasileiro.Acesso em: 25 nov 2024.

  3. LUCENA, Leonardo; ARAÚJO, L. Mateus; ALENCAR M. L. Ângela; LIMA F. Marciana; SOBRINHO, N. Antônio. O imaginário ambiental sobre o bioma Caatinga por alunos de um curso de graduação em ciências biológicas. VI Congresso Nacional de Educação.2019.ASSOCIAÇÃO, Caatinga. Projetos. Disponível em:https://www.acaatinga.org.br/projetos/.Acesso em: 24 nov 2024.
  4. VIVO, Ciclo. 7 destinos de ecoturismo na Caatinga. Disponível em: https://ciclovivo.com.br/vida-sustentavel/equilibrio/7-destinos-de-ecoturismo-na-caatinga. Acesso em: 25 nov 2024.
  5. BRASIL RURAL, Instituto. Talentos do Brasil Rural. Disponível em: https://www.institutobrasilrural.org.br/navegacao.asp?id_menu=2&id_conteudo_exibir=226. Acesso em: 25 nov 2024.