Promovendo a convivência mais harmoniosa entre comunidades e onças na Caatinga através da inovação: Conheça os chiqueiros anti-predação do PAO

 

Um dos grandes desafios para a conservação da fauna silvestre são os conflitos existentes entre animais e os seres humanos, principalmente em regiões como na Caatinga, na qual a convivência entre os criadores locais e os predadores, neste caso as onças, é uma realidade frequente. Fatores como diminuição das presas naturais por caça ilegal e alterações em seu habitat natural por ações humanas, têm levado as onças a predar rebanhos doméstico de pequenos criadores locais, tendo como consequência a retaliação (ação de revidar por um dano sofrido) por meio da perseguição e abate desses felinos. Hoje vamos apresentar uma das iniciativas do PAO que tem funcionado para atenuar esse tipo de conflito, vem com a gente!

Os habitantes da Caatinga têm como uma das suas maiores fontes de sustento as criações de ovinos e caprinos. Esses animais são mantidos em um modo de criação conhecido como extensivo, caracterizado por um baixo investimento já que os animais são criados soltos, durante o dia se alimentam livremente da vegetação natural e em alguns casos têm uma estrutura simples para passar a noite. Contudo, essa prática deixa o rebanho mais vulnerável, aumentando as chances de predação pelas onças, devido a redução das suas presas naturais e a facilidade de encontro com os caprinos e ovinos que pastejam soltos. O criador local, então, passa a ver a onça como uma ameaça, principalmente à sua fonte de renda, e acaba por abatê-la em retaliação.

 

Rebanho doméstico em criação extensiva na região do Boqueirão da Onça. Fotos: Arquivo Programa Amigos da Onça

 

Confira abaixo o infográfico que ilustra bem essa questão:

Infográfico “Em busca da coexistência” Elaborado por: Programa Amigos da Onça

 

Estas comunidades da região enfrentam carências significativas, exemplificadas pela situação de Queixo Dantas, em Campo Formoso-BA, que não dispõe de qualquer outro serviço público além da energia elétrica. Para a educação básica das crianças conta apenas com uma casa improvisada para a educação infantil que assim serve como creche, e um colégio para ensino fundamental, com turma multisseriada, apenas até o 4º ano. A base econômica da comunidade é a criação extensiva de caprinos e ovinos, poucas criações de subsistência de galináceos e o plantio ocasional (em época de chuva) de palma, para consumo animal. Os rebanhos são pequenos, apresentam baixa produtividade e o manejo é assegurado apenas pelos membros da família. Assim, diante dessas condições compreendemos o quão grande são os desafios diários, e o quão importante é cada animal do rebanho desses criadores.

Por isso, o PAO tenta identificar e, quando possível, influenciar comportamentos humanos a favor da conservação das onças. Entendendo as vulnerabilidades que essas pessoas enfrentam, temos tentado promover a coexistência entre criadores e onças. Consequentemente diminuindo o número de onças abatidas por retaliação. Após uma minuciosa pesquisa, desenvolveu um modelo pioneiro de curral anti-predação. Esses currais, conhecidos como chiqueiros pelos sertanejos da região, foram construídos em parceria com a Tetra Pak – utilizando placas feitas com esse material. Diferentemente dos currais tradicionalmente utilizados pelos criadores locais, que são abertos e deixam os animais vulneráveis, esses novos currais são fechados, impedindo contato com a parte externa, mas sem prejudicar a entrada de sol e chuva. Dessa forma, os predadores não conseguem acessar, mantendo o rebanho doméstico protegido à noite, período em que as onças estão mais ativas e propensas à caçar. 

Chiqueiros anteriormente utilizados pelos criadores locais, abertos e sem proteção aos animais. Fotos: Arquivo Programa Amigos da Onça.

 

Chiqueiros implementados em parceria com o PAO, com proteção ao rebanho. Fotos: Arquivo Programa Amigos da Onça.

 

Previamente à construção dos chiqueiros, a equipe do PAO realizou um levantamento entre os moradores da região, com o objetivo de verificar o perfil social, número de cabeças do rebanho, número de animais possivelmente mortos por onças ou por outros motivos, dentre outras informações. Após um ano da construção dos currais, a pesquisa foi repetida, incluindo uma nova contagem dos rebanhos e novas entrevistas com os criadores. Satisfatoriamente, os dados mostraram que a perda do rebanho por predação foi reduzida de 23,52% para 14,8%!

A transição do manejo extensivo para semi-intensivo (soltos durante o dia e contidos seguramente durante a noite), além de oferecer proteção aos animais, também melhora o conforto térmico, exercendo um impacto direto na saúde e qualidade dos animais dos criadores. Consequentemente, essas mudanças contribuem para uma coexistência mais harmoniosa entre a fauna selvagem e os humanos. Paralelamente, o PAO tem oferecido capacitações sanitárias dos rebanhos aos criadores, com profissionais qualificados que ministram cursos a respeito de boas práticas de manejo e saúde animal.

 

Onça parda (Puma concolor). Fotos: Arquivo Programa Amigos da Onça.

É importante ressaltar que o sucesso do trabalho não se deve apenas à construção dos currais anti-predação por si só, mas a um conjunto de ações realizadas pela equipe do PAO, que também envolveu muita conversa com os criadores, palestras e todo um trabalho educativo com os moradores da região. Pois, para além da estrutura física e segurança dos animais domésticos, é crucial que os habitantes também tenham a compreensão da situação das onças locais, e fiquem a par do porque esses predadores estão se aproximando e caçando os animais de rebanho. No início alguns criadores hesitaram em adotar os currais anti-predação, por receio do desconhecido, ou pela dificuldade em mudar um sistema de manejo tradicionalmente utilizado. Contudo a aceitação foi crescendo à medida que os benefícios do novo modelo se tornaram evidentes.

 

Equipe do PAO e criadores parceiros em momento de finalização dos chiqueiros em Queixo Dantas-BA em 2021. Fotos: Arquivo Programa Amigos da Onça.

 

Os currais anti-predação começaram a ser implantados em 2014, com a construção de sete chiqueiros na comunidade de Queixo Dantas, Campo Formoso, Bahia, para criadores socioeconomicamente vulneráveis e que relataram conflitos com onças. Em 2015, mais 11 chiqueiros foram construídos na comunidade de Lagoa do Mari, Sento Sé, Bahia. E de maneira muito positiva, os dados do Programa indicam uma redução considerável na predação dos rebanhos. Este é um exemplo notável de tecnologia social, e demonstra que com criatividade, inovação e educação é possível encontrar soluções que equilibrem as necessidades dos criadores locais e a conservação das onças na Caatinga, contribuindo para a redução de conflitos existentes e fortalecendo a convivência mais pacífica entre seres humanos e fauna silvestre. O nosso desafio continua em garantir recursos financeiros para expandir a construção de chiqueiros para mais comunidades. Junte-se a nós nessa jornada!

 

Escrito por: Alice M. G. Dórea (Estagiária voluntária do PAO)

 

 

 

 

 

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